A Parametrização de critérios jurídicos para fixação de Condicionantes Ambientais – Uma Realidade?
- fernandofrechgouve
- 7 de dez. de 2022
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A padronização dos critérios jurídicos para a fixação de condicionantes ambientais no licenciamento de empreendimentos ou atividades efetiva ou potencialmente poluidoras ganha reforço normativo, o que aumenta a segurança jurídica dos atos administrativos no processo de licenciamento ambiental. Após a publicação da Portaria da Procuradoria Federal Especializada junto ao ICMBio 01, de 12 de abril de 2022, foi aprovada a Orientação Jurídico-Normativa (OJN) PFE/ICMBio nº 33/2022, que trata sobre os parâmetros jurídicos para a fixação de condicionantes ambientais pelo Instituto.
Talvez, uma das questões mais debatidas no licenciamento ambiental no Brasil é o excesso de subjetividade pelo órgão licenciador no estabelecimento de condicionantes para a emissão da licença ambiental pretendida.
Não são raros os casos em que o órgão licenciador, ou até mesmo os entes intervenientes, aproveitam do licenciamento ambiental para exigir contrapartidas do empreendedor ou do titular da atividade em licenciamento que não tenham relação alguma com o objeto do licenciamento ambiental. Medida que extrapola o objetivo do licenciamento ambiental de verificação da compatibilidade entre o exercício da atividade de atividade potencial ou significativamente poluidora e as exigências técnicas necessárias inseridas na legislação ambiental[1].
As condicionantes não podem utilizadas como ferramentas para suprir as deficiências decorrentes da ausência estatal na prestação de serviços públicos específicos estranhos à atividade em licenciamento.[2] Esta prática desvirtuada aumenta a insegurança dos empreendedores e, por sua vez, acaba por impedir o desenvolvimento de regiões que se beneficiariam com a implantação da atividade econômica, que corretamente licenciada atenderia às exigências ambientais e sociais.
O licenciamento ambiental tem por finalidade a compatibilização do direito ao meio ambiente equilibrado e a qualidade de vida da coletividade, através do controle das atividades efetiva e potencialmente poluidoras[3]. Ou seja, a sua efetividade se dá justamente no controle de atividades que possam degradar o meio ambiente para possibilitar o exercício do desenvolvimento econômico e social, resguardando também a integridade ambiental, de forma a não prejudicar o seu usufruto pelas gerações presentes e futuras.
Este controle, por sua vez, deve estar diretamente relacionado com os impactos provenientes da atividade examinada pelo órgão licenciador. Uma vez que as condicionantes ambientais integram o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas, que sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.[4]
Não é de hoje que os doutrinadores criticam essa prática abusiva de imposição de medidas mitigatórias e compensatórias sem relação ao impacto ambiental[5], especialmente porque a Administração Pública está subordinada aos princípios da finalidade pública, razoabilidade e proporcionalidade[6].
MILARÉ[7] classifica as condicionantes em três espécies de medidas, sendo as preventivas aplicadas com o objetivo de evita a ocorrência dos impactos negativos identificados nos estudos ambientais. As condicionantes mitigatórias, são impostas em situações que não seja possível evitar a intervenção no meio ambiente e, portanto, visam a atenuação/suavização destes impactos no meio ambiente. Quando os impactos identificados não possam ser evitados, nem mitigados, poderão ser aplicadas medidas compensatórias, com o objetivo de recompensar estes impactos. Entretanto, as medidas compensatórias que forem requeridas no licenciamento ambiental sem estarem previstas em lei e não guardarem relação com os impactos ambientais a que se destinam compensar podem ter a sua legalidade questionada.
Neste sentido, ao regulamentar a participação dos órgãos e entidades da administração pública federal no licenciamento ambiental federal, a Portaria Interministerial MMA/MJ/MIMC/MS 60/2015[8] traz expressamente a necessidade de as condicionantes ambientais apresentadas pelos órgãos intervenientes guardarem relação direta com os impactos decorrentes da implantação da atividade, identificados nos estudos apresentados no licenciamento. Exige ainda, que as condicionantes apresentadas sejam acompanhadas de justificativa técnica.
De aplicação mais ampla, importante mencionar a Lei da Liberdade Econômica[9], que garantiu ao particular a impossibilidade de lhe ser exigido medidas ou prestações compensatórias ou mitigatórias abusivas que, extrapolem relação com os impactos diretamente identificados à atividade licenciada, ou que se mostrem desproporcionais ou sem razoabilidade[10].
No mesmo sentido é a redação do Projeto de Lei Geral de Licenciamento, atualmente tramita no Senado após ter sido aprovado na Câmara dos Deputados (art. 13, §§1º e 2º):
“§1º. As condicionantes ambientais devem ser proporcionais à magnitude dos impactos ambientais da atividade ou do empreendimento identificados nos estudos requeridos no licenciamento ambiental, bem como apresentar fundamentação técnica que aponte o seu nexo causal com esses impactos, e não se prestam a mitigar ou a compensar impactos ambientais causados por terceiros e em situações nas quais o empreendedor não possua ingerência ou poder de polícia.
§2º. Para fins do disposto no §1º deste artigo, as condicionantes ambientais não devem ser utilizadas para:
I – mitigar ou compensar impactos ambientais causados por terceiros, situação em que o equacionamento se efetua por meio de políticas ou serviços públicos de competência originária de outros órgãos ou entidades;
II – suprir deficiências ou danos decorrentes de omissões do poder público.”
Em seu primeiro item a Orientação Jurídico Normativa da PFE/ICMBio n. 33/2022 já reforça a preocupação de não serem exigidas condicionantes ambientais abusivas, e as define como aquelas que:
I - requeiram medidas que já eram planejadas para execução antes da solicitação pelo particular, sem que a atividade econômica altere a demanda para execução das referidas medidas.
II – utilizem-se do particular para realizar execuções que compensem impactos que existiriam independentemente do empreendimento ou atividade econômica solicitada.
III – requeiram a execução ou prestação de qualquer tipo para áreas ou situação além daquelas diretamente impactadas pela atividade econômica.
IV – mostrem-se sem razoabilidade ou desproporcional, inclusive utilizadas como meio de coação ou intimidação.
A OJN traz também a necessidade de clareza na motivação para a adoção daquela medida e a apresentação de marco temporal para o seu cumprimento e/ou avaliação periódica. Essa prática trará ainda mais objetividade na execução de medidas que realmente visem mitigar ou compensar os impactos ambientais identificados no licenciamento.
Outro importante ponto que a OJN aborda é a orientação do diálogo prévio entre o ICMBio e o responsável pelo empreendimento, acompanhado ou não do órgão licenciador para tratar de eventuais dúvidas que contribuam para a adequação e a necessidade da condicionante.
A normatização deste entendimento é de grande importância para delimitar a atuação dos Órgãos envolvidos no estabelecimento de condicionantes ambientais, uma vez que a administração pública está subordinada ao comando da lei.
Em que pese o Projeto de Lei Geral do Licenciamento ainda estar em análise pelo Senado, a aprovação da OJN nº 33/2022 já expressa o entendimento jurídico da Procuradoria Federal desta necessidade de relação entres as condicionantes ambientais e os impactos identificados no licenciamento ambiental. Ainda que esta OJN seja uma regulamentação interna do ICMBio, ela tende a ser observada pelos demais órgãos ambientais, em todos os níveis federativos, tendo em vista a falta de parâmetros sobre o tema e a própria relevância desse órgão ambiental.[11]
O sentimento é o de que esta prática fica a cada dia mais próxima da realidade no licenciamento ambiental, fortalecendo a segurança jurídica na implantação de novas atividades/ empreendimentos e estimulando o desenvolvimento no país.
Autor: Fernando Gouveia.
[1] FINK 2002, p. 71 Apud FARIAS, T. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos, 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 25. [2] BIM, Eduardo F. Opinião: Condicionantes sociais devem ter nexo com impactos ambientais. Consultor Jurídico – CONJUR, 11.05.2016. Disponível em: Conjur.com.br/condicionantes devem ter nexo com impactos ambientais. [3] FARIA, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 28. [4] Definição legal de “Licença Ambiental” pelo inciso II do art. 1º da Resolução Conama nº 237/97. [5] BIM (2016); LEUZINGER, (2013); RIOS PAULA & FARIAS (2022). [6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanello. Direito Administrativo, 20. Ed., 2. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. pp. 59 – 73. [7] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. pp. 796 – 798. [8] §12º do art. 7º. [9] Lei nº 13.874/2019. [10] Art. 3º, inciso XI, da Lei nº 13.874/2019. [11] RIOS PAULA, Frederico; FARIAS, Talden. Ambiente Jurídico: Parâmetros jurídico para fixação de condicionantes ambientais. Consultor Jurídico – CONJUR, 23.04.2022. Disponível em: Conjur.com.br/parâmetros jurídicos para fixação condicionantes ambientais.



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